Do acto criativo [ainda sobre o belo]

Aqui fui taxativo. Isso não significa que a perturbação – e o caos/babel que a partir dela (pode) espiga(r) – associada aos êxtase e arrebatamento incontroláveis inflamados pelo belo não me toquem e afectem. Morte em Veneza nada tem a ver com tensão homossexual (pedófila). O que talvez transforme o filme de Luchino Visconti num objecto mais pungente, comovente, também extraordinário, que o conto de Thomas Mann, é o prodigioso desempenho de Dirk Bogarde no papel de Gustav von Aschenbach, o músico que vai a Veneza para refazer energias e se deslumbra (literalmente) pela beleza extrema, e quase hermafrodita, do jovem Tadzio (interpretado pelo nórdico Björn Anderson). Dirk Bogarde era de facto homossexual, e isso, que poderia ter suscitado viés, nunca transparece, nunca está lá. Transmitir uma paixão absoluta, que obceca e tortura até à morte, paixão que, tendo por móbil feições indefinidas mas corpo de rapazinho, não é de natureza erótica, raia o inumano. Foi o que Dirk Bogarde conseguiu fazer, na mais soberba representação que alguma vez me foi dado observar em cinema por qualquer actor vivo ou morto.

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