Dia da sucessão*

No dia em que isto está tudo engalanado para uma festa mais hirta que rija, da qual faço absoluta questão de me dissociar, proponho que ouça no boticário musical aqui ao lado o meu hino favorito, Auferstanden aus Ruinen, hoje – compreensivelmente – caído no esquecimento. Auferstanden aus Ruinen era com efeito o hino da nefanda RDA. Curiosamente, a ode não é nem secessionista nem internacionalista. Fala de uma Alemanha unida e vale-se da gramática da pátria – Deutschland, einig Vaterland. A nobreza musical não surpreende. A melodia foi composta em 1949 por Hanns Eisler, discípulo de Arnold Schoenberg, autor ecléctico, capaz tanto de musicar ao jeito vaudeville peças de Brecht como de se dedicar ao lieder erudito. Eisler merece figurar na galeria dos compositores memoráveis do séc XX – pouco importa que um dia os nazis tenham banido o seu repertório, junto a outros, catalogando-o Entarte Musik – música degenerada. O contraste de Auferstanden aus Ruinen com A Portuguesa até faz doer a alma. Bem sei que parece mal desdenhar os símbolos da República, símbolos aos quais, por mais que queira, não consigo ser insensível – sobretudo em certas circunstâncias emocionais. Mas que diabo, quase um século passado sobre a instauração do regime republicano em Portugal vai sendo tempo de arranjar um salmo menos pindérico. Mudam-se os tempos, mudem-se as vontades.

*Dedicado ao Lutz Brückelmann.

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