O meu problema com a opinião¹

Não é que haja em excesso; nem que as pessoas, escudadas no seu carácter sacrossanto, falem com ligeireza e fast thinking do que não sabem; nem sequer que, através da colagem da livre expressão² à opinião, esta tenda a colonizar a esfera pública prensando outras modalidades de expressão a ponto da microscopização. O meu problema com a opinião é que ela encerra uma gramática assertiva, afirmativa, categórica que se coaduna mal com inquietações, perplexidades, dúvidas, interrogações. Quem opina por regra define, assevera, firma-se, toma posição, situa-se em contraditório com outrem igualmente assertivo, procura o veredicto, ter razão, quer dizer: beneficiar do reconhecimento de possuir a razão do seu lado. Um discurso que não apresente essas propriedades centrais da opinião (auto-)condena-se ao esoterismo, ao objecto excêntrico, quando não estapafúrdio e caprichoso. Para mim opinar é de facto uma violência (à qual cedo de quando em vez). É-o não por causa do esforço de construção de argumento mais ou menos complexo mas sim por ser constrangido a adoptar uma nomologia que encana o logos dentro de limites insatisfatórios, demasiado estreitos, obstruindo a reflexividade que quer rasgar além do mero esgrimir tantas vezes auto-complacente e narcísico de pré-conceitos. Eu tenho sempre muito mais dúvidas e enigmas por resolver que certezas e convicções, essas pautas de ordem que nos levam à certa, por mais tranquilizantes e reconfortantes, diria anestesiantes que estas sejam. Aliás, interessa-me mais o trabalho de enigmatização que o decifração. Não havendo enigma não há lugar à revelação, à descoberta, a abrir a arte do entendimento, apenas à confirmação, à reiteração de ponto de vista. À lógica da opinião falta essa curiosidade fundamental, pueril no melhor sentido do termo, ou seja como a que (só) se observa nas crianças e ainda mais nos bebés, singularmente (con)genial.
Contrapor-se-á que este texto é uma contradição nos termos. Uma opinião sobre a opinião, que por isso replica todos os vícios que a opinião – tal como aqui é paradigmatizada – apresenta. Não contesto. Mas o mundo não é só complexo, é também contraditório – aspecto que a Razão Providencial tem dificuldade em aceitar. Nem este texto nem eu próprio estamos fora do mundo. E é por estar no mundo desta maneira pouco prática (sobre a qual paira duas vezes a angústia da página em branco) que pessoalmente não me rendo (pelo menos sem tensão interior) ao cenário de vir a ter uma coluna regular de opinião seja em que jornal for. Sem prejuízo do agrado que a menção honrosa do FTA me despertou.

¹Na imagem, Head II, 1916, de Naum Gabo.
²Deixo para outra ocasião a crítica da noção de livre expressão. Fica a pista, que de resto o texto deixa entrever. A concepção da livre expressão como expressão não constrangida mais não é que história da carochinha. Com uma tremenda eficácia ideológica.

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