Evidentemente*

COMUNICADO - CONVITE

Hoje, 5ª feira, 9 de Fevereiro, pelas 15 horas, um grupo de cidadãos portugueses irá manifestar a sua solidariedade para com os cidadãos dinamarqueses (cartoonistas e não-cartoonistas), na Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho nº 14, em Lisboa.
Convidamos desde já todos os concidadãos a participarem neste acto cívico em nome de uma pedra basilar da nossa existência: a liberdade de expressão.
Não nos move ódio ou ressentimento contra nenhuma religião ou causa. Mas não podemos aceitar que o medo domine a agenda do século XXI.
Cidadãos livres, de um país livre que integra uma comunidade de Estados livres chamada União Europeia, publicaram num jornal privado desenhos cómicos.
Não discutimos o direito de alguém a considerar esses desenhos de mau gosto. Não discutimos o direito de alguém a sentir-se ofendido. Mas consideramos inaceitável que um suposto ofendido se permita ameaçar, agredir e atentar contra a integridade física e o bom nome de quem apenas o ofendeu com palavras e desenhos num meio de comunicação livre.
Não esqueçamos que a sátira – os romanos diziam mesmo Satura quidem tota nostra est – é um género particularmente querido a mais de dois milénios de cultura europeia, e que todas as ditaduras começam sempre por censurar os livros de gosto duvidoso, má moral, blasfemos, ofensivos à moral e aos bons costumes.
Apelamos ainda ao governo da república portuguesa para que se solidarize com um país europeu que partilha connosco um projecto de união que, a par do progresso económico, pretende assegurar aos seus membros, Estados e Cidadãos, a liberdade de expressão e os valores democráticos a que sentimos ter direito.
Pela liberdade de expressão, nos subscrevemos

Rui Zink (916919331)
Manuel João Ramos (919258585)
Luísa Jacobetty

*Apesar da iniciativa do jornal Jyllands-Posten me provocar asco, do próprio jornal praticar censura e ser postilhão de posições xenófobas, racistas e sectárias, de não gostar dos cartoons, da tibieza do Governo dinamarquês, associo-me porque nenhuma Realpolitik pode ceder no essencial. Como escrevem Tiago Barbosa Ribeiro e Rui Bebiano: qualquer vírgula colocada na liberdade de imprensa será um silêncio a mais.

Comentários

Anónimo disse…
Façam o favor de contar com a minha prsença espiritual,já que estou no Porto: um cartaz, um livro, um cartoon...sei lá, qualquer coisa para fazer mais um a manif. obrigada.
Anónimo disse…
(nota prévia: este sistema de comentários está louco)

Afonso, se há pessoa com quem gostaria de discutir o sentido e os limites da liberdade de comunicação social era contigo. O teu posto deixa-me com dúvidas. Começando logo por esta: achas ou não que a liberdade de comunicação social pode ser limitada? Eu digo já: acho que sim. Parece-me evidente, e até incontornável, que quando uma liberdade fundamental colide com outra, uma delas terá necessariamente que ceder. E não vejo porque não possa ser, casuisticamente, a liberdade de comunicação social. Creio que se, no nosso tempo, não é hábito limitarmos a liberdade de comunicação social, é mais à custa de uma moda que sacrificou outra liberdades, como a reserva da intimidade, de consciência e até a religiosa, do que por haver uma superioridade moral e social da liberdade da comunicação social. Para ser completamente franco qualquer liberdade sem limites(e a frase que citas por fim é para mim um bom exemplo disso) dá-me calafrios. Um abraço. Miguel. Límpida Medida.
Anónimo disse…
Acho que o Miguel tem razão, embora isto tudo seja bastante complexo e coisa de filigrana.
Anónimo disse…
Miguel, e também Susana,
dois planos de resposta (para já),
a) em primeiro lugar, algures entre o esclarecimento e o mea culpa: a pressa de publicitar o evento e, nesse contexto, não escondo, encontrar uma bengala retórica, não terá sido boa conselheira. A frase que recitas tirada do contexto original presta-se evidentemente à leitura da defesa de uma liberdade ilimitada para o escrutínio dos media. Não é a minha posição de todo. Era o que faltava.
b) em segundo lugar, direi que a liberdade de imprensa já é limitada. Penso menos (ou muito pouco) nas pressões directas e técnicas personalizadas de poder que se exercem sobre o trabalho jornalístico - que a ética jornalística tende apesar de tudo a repelir - que na própria economia política do trabalho jornalístico. Esta, de modo mais doce, tende a funcionar como efectivo sistema de constrangimento/censura das possibilidades da enunciação jornalística. O jornalista, no seu trabalho recorre a uma série de gramáticas (sobre as quais pouco reflecte) - por exemplo, a que estabelece o hiato entre factos e comentários - que por dentro do próprio discurso jornalístico o limitam. Voltarei um dia - não prometo que seja no curto prazo - a esta temática, tentando, como já aqui se esboça, evitar o raciocínio à maneira da filosofia política.
Dir-me-ão que não respondo, que abro nova frente. Pois sim, mea culpa novamente. A que acresce isto: não tenho muitas dúvidas de que a liberdade de imprensa - ou, se quisermos ser mais precisos - a liberdade de opinião é em si mesmo um dispositivo retórico que, nas sociedades ocidentais democráticas, camufla o exercício arbitrário do poder simbólico - o poder de dizer o que e como as coisas são.
Porquê então aderir voluntariamente e mobilizar empenhadamente uma certa ilusão? Por uma razão simples. É uma ilusão que, no estado actual da cidade da opinião, se quiserem: da cidade tout court, a ser perdida não pode senão representar um sensível retrocesso. Mas também a isto devo reflexão que ainda não depurei suficientemente. Convenhamos que o desafio não é simples - e espero que outros - vocês - o façam vosso também.
Miguel, estamos quase em Março.
Um abraço para ambos. Que extendo à Ângela, pelos seus amáveis comentários.
Anónimo disse…
camufla? ou é um campo de luta de poderes?
[é bom chegar a um sítio blogosférico onde se discute]
Anónimo disse…
jpt,
camufla e é um campo de lutas de poder. A sacralização da (liberdade de) opinião não obsta a que decorram lutas pela monopolização da respectiva expressão. E fragmentação do próprio campo. Dificilmente um literato, um advogado ou antropólogo poderá competir com um economista quando se trata de opinar sobre matérias económicas. É a velha questão do reconhecimento e da dimensão mágica das sociedades contemporâneas cuja existência, rendidos à razão providencial, temos tanta dificuldade em admitir. Tema para retomar.

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