Guerras do alecrim e da manjerona
Muita, muita tinta (e crispação e azedume e ironia e algum gozo e até enfado) já fez verter na blogosfera um petardo com destinatário lançado pelo João Pedro George. Com algum esforço, isto é: para justificar o título do post, a algazarra traz à presença a sardónica peça de António José da Silva, o Judeu. Sem brincadeiras, deixo aqui algumas notas – notas soltas:
1. Boa parte das tensão e polémica poderia ser eliminada, ou pelo menos esbatida, de maneira relativamente simples. Bastaria os críticos tornarem explícita a sua grelha crítica. Ou seja: quais os fundamentos que a orientam. Isso permitiria ao leitor perceber até que ponto em cada objecto de crítica o crítico perfilha os seus princípios críticos ou deles se afasta, tornando-se pois num instrumento de aferição da própria consistência da crítica e tornando em simultâneo quase irrelevante saber se há ou não liaisons dangereuses a montante. Sei que há nesta proposta ingenuidade. Deixá-la estar.
2. Algures num texto do Esplanar (peço desculpa de não o conseguir identificar), o João Pedro George, correspondendo a um consenso alargado, elegia a narrativa e a fluidez da escrita como dois dos seus critérios nucleares de apreciação de um livro (não dizia assim mas depreendia-se). Para mim, em literatura, a história, a narrativa, a história ser bem ou mal contada, melhor dizendo: haver uma história (que se conta) diz-me pouco ou nada; o mesmo quanto à escorreiteza da escrita. Há pois toda uma diferença crítica de relação com o texto literário que me torna pouco sensível/receptivo aos engenhos (no duplo sentido) do JPG, por muita afeição que lhe reconheça à literatura – a mesma que paralelamente detecto no José Mário Silva.
3. Da ética do trabalho, que (in)compreensivelmente veio à baila, apetece-me relembrar um aforismo da mais bem sucedida das línguas crioulas: all work and no fun makes Jack a dull boy. Mal por mal, antes a ética do serviço.
4. Recorrendo à terminologia de Boltanski e Thévenot, a actividade crítica situa-se na intersecção entre duas cidades: a da inspiração e a da opinião. Acresce que não raro os próprios críticos são autores, escritores, poetas – ou têm pretensões a sê-lo. Na ideia de querer perceber quais os limites de possibilidade da autonomia da crítica literária acho preferível (e mais fecundo) escrutinar esta hibidrez e as lógicas de concorrência que vão a dois tabuleiros em vez de sobreatentar nas cumplicidades, pi(s)car d’olhos, afinidades electivas, favoritismos, compadrios, coutadas, contaminação amiguista que a prática crítica acomodará. Doutro modo não se sai do círculo viciado da denúncia. Nem do formato da querela vã, estéril, toda ela consumida pelas virtudes morais pessoais dos críticos. Querela que, ademais, não leva a lado nenhum excepto a minar a credibilidade não apenas deste ou daquele crítico mas da própria crítica enquanto ofício intelectual de difusão literária. Em efeito de ricochete, os próprios campeões da regeneração vêem a acusação virar-se contra eles através de insinuações do tipo: pois, pois, o que tu queres sei eu. Confesso-me impaciente para mais do mesmo, sempre o mesmo corte: íntegros e sérios versus vilões e untados; hostilidade versus complacência, ambas interessadas. Como diz o Eduardo Pitta, não vale a pena insistir no lado negro.
5. Era só o que faltava anexar ao que aqui expendi declaração de interesses, identificar quem conheço e não conheço dos protagonistas do incidente. Rechaçar suspeitas? Não estou para isso. Para mulher de César não sirvo.
6. Em jeito de post scriptum recomendo a leitura deste apontamento periférico e recordo uma fala de Hamlet e uma outra de Semicúpio nas tais Guerras de O Judeu.
There's ne'er a villain dwelling in all Denmark
But he's an arrant knave.
E tu, que vem atrás, serás o seringa destas brenhas; e para o seres com mais propriedade, deixa-te ficar mais atrás, pois apesar dos esguichos de teu rigor, hei de ser conglutinado rabo-leva das tuas costas.
1. Boa parte das tensão e polémica poderia ser eliminada, ou pelo menos esbatida, de maneira relativamente simples. Bastaria os críticos tornarem explícita a sua grelha crítica. Ou seja: quais os fundamentos que a orientam. Isso permitiria ao leitor perceber até que ponto em cada objecto de crítica o crítico perfilha os seus princípios críticos ou deles se afasta, tornando-se pois num instrumento de aferição da própria consistência da crítica e tornando em simultâneo quase irrelevante saber se há ou não liaisons dangereuses a montante. Sei que há nesta proposta ingenuidade. Deixá-la estar.
2. Algures num texto do Esplanar (peço desculpa de não o conseguir identificar), o João Pedro George, correspondendo a um consenso alargado, elegia a narrativa e a fluidez da escrita como dois dos seus critérios nucleares de apreciação de um livro (não dizia assim mas depreendia-se). Para mim, em literatura, a história, a narrativa, a história ser bem ou mal contada, melhor dizendo: haver uma história (que se conta) diz-me pouco ou nada; o mesmo quanto à escorreiteza da escrita. Há pois toda uma diferença crítica de relação com o texto literário que me torna pouco sensível/receptivo aos engenhos (no duplo sentido) do JPG, por muita afeição que lhe reconheça à literatura – a mesma que paralelamente detecto no José Mário Silva.
3. Da ética do trabalho, que (in)compreensivelmente veio à baila, apetece-me relembrar um aforismo da mais bem sucedida das línguas crioulas: all work and no fun makes Jack a dull boy. Mal por mal, antes a ética do serviço.
4. Recorrendo à terminologia de Boltanski e Thévenot, a actividade crítica situa-se na intersecção entre duas cidades: a da inspiração e a da opinião. Acresce que não raro os próprios críticos são autores, escritores, poetas – ou têm pretensões a sê-lo. Na ideia de querer perceber quais os limites de possibilidade da autonomia da crítica literária acho preferível (e mais fecundo) escrutinar esta hibidrez e as lógicas de concorrência que vão a dois tabuleiros em vez de sobreatentar nas cumplicidades, pi(s)car d’olhos, afinidades electivas, favoritismos, compadrios, coutadas, contaminação amiguista que a prática crítica acomodará. Doutro modo não se sai do círculo viciado da denúncia. Nem do formato da querela vã, estéril, toda ela consumida pelas virtudes morais pessoais dos críticos. Querela que, ademais, não leva a lado nenhum excepto a minar a credibilidade não apenas deste ou daquele crítico mas da própria crítica enquanto ofício intelectual de difusão literária. Em efeito de ricochete, os próprios campeões da regeneração vêem a acusação virar-se contra eles através de insinuações do tipo: pois, pois, o que tu queres sei eu. Confesso-me impaciente para mais do mesmo, sempre o mesmo corte: íntegros e sérios versus vilões e untados; hostilidade versus complacência, ambas interessadas. Como diz o Eduardo Pitta, não vale a pena insistir no lado negro.
5. Era só o que faltava anexar ao que aqui expendi declaração de interesses, identificar quem conheço e não conheço dos protagonistas do incidente. Rechaçar suspeitas? Não estou para isso. Para mulher de César não sirvo.
6. Em jeito de post scriptum recomendo a leitura deste apontamento periférico e recordo uma fala de Hamlet e uma outra de Semicúpio nas tais Guerras de O Judeu.
There's ne'er a villain dwelling in all Denmark
But he's an arrant knave.
E tu, que vem atrás, serás o seringa destas brenhas; e para o seres com mais propriedade, deixa-te ficar mais atrás, pois apesar dos esguichos de teu rigor, hei de ser conglutinado rabo-leva das tuas costas.
Comentários
* i beg your pardon.
Bruno,
não é reserva de princípio. É, era reserva nas actuais circunstâncias de discussão. Não perceberá que a exigência adensa a suspeição? É pelo menos essa a minha percepção.
Javali Conjuntivo,
estórias, histórias até posso escrevê-las. Pintar os beiços acho menos provável. Ainda menos conjugar.
Maria Madeira,
fala-me de meandros que desconheço por completo. Até diria que muito me interessa continuar ignorante desses bastidores. Prefiro. Sabe, não há quem não tenha partes gagas, quem não seja capaz de mesquinhez, de mediocridade - nem falo de chafurdar na lama. Não creio que perscrutá-las seja uma actividade especialmente interessante. E até, como obsessão, pode bem confundir mais do que iluminar, revelar. A minha proposta é ir por outros caminhos. Estão assinalados. Noto-lhe por fim que fala de pessoas em tom jocoso, depreciativo, no fundo muito hostil. Não acho que o mereçam. Bem pelo contrário. Não é de gente insignificante/incapaz/incompetente que fala.
Sérgio,
é sim, um remoínho que sugou (quase) tudo por alguns dias. Injustificado talvez. De fora entretemo-nos mas para quem está/esteve no centro da polémica não será/terá sido bem assim.
Nuno Ferreira,
não quero branquear que na actividade da crítica literária como em quase todas as actividades humanas há redes que beneficiam uns e excluem outros, que supõem favores e reciprocidades. Mas, no meu entender, essa é apenas uma das dimensões (nem sequer a mais importante) que constrange/limita os protagonistas dos processos. Outras direcções parecem-me mais promissoras. É simplesmente isso.
Valia a pena o Pacheco Pereira comentar? Não ponho em causa isso, mas questiono o teor do comentário. Veja o texto do Osvaldo Silveste no Casmurro. É uma desmontagem impiedosa da argumentação de Pacheco Pereira. Aqui.
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