Are you or were you ever a member of the Communist Party?

Ainda bem que o Paulo Gorjão, inoculado pelos sensatos e pertinentes reparos do Pacheco Pereira, recuou nesta iniciativa. Sei que os propósitos do Paulo Gorjão eram meritórios, que, como a dado passo refere, não o animava qualquer agenda oculta. Sei – é claro que sei – que a vida política nacional se tem vindo a deteriorar à custa de lógicas oligárquicas que pouco têm a ver com competência política; sei – é claro que sei – que, principalmente onde tal vida tem menos visibilidade e antícope mediático, com frequência prevalecem a cosa nostra e arranjos políticos literalmente familiares. Sei tudo isso, mas ainda assim, quando li o desafio no Bloguitica, senti involuntariamente um arrepio – que reverteu num repúdio espontâneo. A associação de ideias foi irrefreável. Eu, integrar ou participar (n)uma milícia vigilante que, recorrendo a informadores arregimentados, organiza ficheiros com listas indiferenciadas de potenciais suspeitos, pouco importando o fundamento da suspeição? Era isso que a PIDE fazia; era essa figura de delação que, num contexto de suposto controle democrático, o Senador MacCarthy entre muito mais espicaçava. O meu ponto é que, independentemente dos desígnios, louváveis, do Paulo Gorjão, a sua proposta inscrever-se-ia forçosamente numa gramática acusatória. Gramática que compendio na fórmula inquisidora, tristemente célebre, que titula este texto: are you or were you ever a member of the Communist Party?
Acresce um outro aspecto, aspecto que releva efeito perverso que o Paulo Gorjão seguramente não anteviu. Não me espantaria que fosse à figura do delator, afim da caça às bruxas, que, encoberta pelo véu do anonimato garantido, parte considerável dos
muitos contributos que tem recebido respondesse.
Intimamente, a persona do informador/delator repugna-me como poucas personagens. Por isso, a adesão ao repto informativo lançado no Bloguitica choca-me e alarma-me. Todavia, superando a reacção epidérmica de rejeição, creio que tal receptividade indicia ela mesma a fragilidade e vulnerabilidade das instituições democráticas. Será porque os mecanismos democráticos de fiscalização e sanção de práticas nepotistas funcionam em débito que muita gente se tentará a apropriar em privado e em segredo da res publica. Mau sinal; péssimo sinal da falta de vitalidade da democracia portuguesa.
Tendo-se inicialmente inspirado no problema suscitado pelo Manuel Alegre da suposta adulteração dos mecanismos de transmissão do poder, direi ao Paulo Gorjão, para encerrar o argumento, que não vejo como o modo como se propunha campear a dinástica política pudesse concorrer para o resolver. E não (ou não apenas) por uma questão de, então, assumir a forma de crítica demagógica, como sugere o Pacheco Pereira. Antes porque, ao condensar situações de facto muito diferentes numa única categoria falaciosamente descritiva, corria o sério risco de, novo efeito perverso, agravar um dos maiores problemas da democracia portuguesa. A saber: o da generalizada incredulidade perante a legitimidade dos eleitos (vox populi: raramente o são por mérito), descrença que corrói e mina a sua autoridade política.

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