Baba de camelo

Na Cidade de Constantino – ah, Bizâncio é chamadouro que há muito me caiu no goto – mesmo quem não tem audácia, ganha vocação de aventura. A banhos na rua Ismayalat – ou terá sido na Finlândia? Ou quiçá na Serra da Estrela? Ou, diacho de imaginação que me trai, na Pensão Josefina? Ou até, quem sabe, na vivenda Mariani – foi o Luís. Não sei se lhe cobice a experiência ou se é feitiço da descrição repartida (já acabou?). Pois eu também tenho o meu ensaio sui generis de banhos sine linea. Nada todavia que se compare. A começar pela cidade: Barcelona, tão mais orbicular quão menos viciante e dilapidativa; a terminar no balneário, igual até na pérgula de acesso aos chuveiros ao da minha escola de então.
A história resume-se bem e depressa ainda melhor. Primeiro inter-rail, paragem em Barcelona, estau de juventude. Manhã seguinte, assestado direito ao balneário. Entrado, desprevenido, dou de caras com duas raparigas nuas, em pêlo, expostas, desabrigadas, e todos os transformadores descritivos que na altura estou certo não me vieram nem da inteligência nem das petites folies dos íncubos da noite anterior. Detive-me, atónito. A boca ter-se-me-á aberto descomunalmente, os olhos arregalado, mas dessa teatralidade da devoração masculina não me lembro. Lembro-me outrossim que me ignoraram como se contempla objecto genérico. Nem gracejo, nem palpitação, nem perda de compostura. Nada. Não lhes vi sequer movimento brusco das pálpebras. Preparava-me portanto para frequentar um balneário de sã convivência entre ímpares. Cinco dias, cinco alvoradas. Louvei, como nunca imaginei que pudesse bendizer, a lendária apetência catalã pela modernidade.
Dado que o sítio era basicamente de transitar sem engonhar, vi-me engolfado num verdadeiro rodopio internacional de virago caucasiano. Quase todas europeias, embora seja justo destacar, nessa entourage circunstancial, a participação notável de uma ou outra americana e canadiana, participação que esteve a pontos de me merecer a tradicional saudação nórdica:
hurra!
Depois da agitação inicial, cuja somatização tive grande dificuldade em acautelar (valeram-me alguns artifícios como entrar no balneário a cantarolar: hot tramp, I love you so), para as bandas do penúltimo dia perdeu-se-me tanto o remoinho como o caricato da emoção. Entranharam-se-me os corpos. Mais corpos, outros, desassimetrizados. Tornou-se inclusive supérfluo representar com brio o papel de varão afobado, que não sabe o que fazer à evidência com temor de levantamento involuntário. A pouco e pouco foi-se o pundonor no soslaio, a vertigem fágica, a displicência laboratorial no manusear do sabonete. A liminaridade coroara-se e com isso escoara-se a lubricidade.
Não saí menos seguro da minha persona. Mas percebi que a imagética da degustação masculina não se congraça com baba de camelo, que não é nada à vida. E assim fui-me a ela, à vida, não sem antes pensar que o Hobbes escusava de ter passado tantos sacrifícios para escrever o Leviathan.

Comentários

Anónimo disse…
oh afonso esta de:

oh quiçá na Serra da Estrela?

tá mesmo a matar....... és mesmo um grande analfabeto!
Sabes o que é um analfabeto? não, não são aqueles velhotes alentejanos que não sabem ler, não esses são homens muito cultos, analfabetos são indivíduos como tu que só dizem tontices, reacionários que não dizem uma pra caixa e depois escrevem nestes bloggs....

Seve

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