O erro de Pedro Magalhães

Ontem, no Margens de Erro, Pedro Magalhães criticou Pacheco Pereira, assacando-lhe ingenuidade. Dizia ele: Lamento imenso, mas a ideia de que a informação que este resultado fornece às elites políticas europeias é a da necessidade de "repensar-se a União de forma diferente da dos últimos anos, mais democrática, mais solidária, menos ambiciosa e mais prudente" parece-me simplesmente cândida. Pacheco Pereira projecta no "Não" as suas próprias motivações, ignorando as motivações reais dos eleitores franceses. Mas as que realmente contam são as deles, e não as dele. A mensagem que o "Não" fornece aos políticos europeus é a de os medos dos franceses terão de ser acomodados de alguma forma no futuro da construção europeia. E eu preferia que (estes) não fossem.
Lamento eu imenso mas este raciocínio não é menos viciado (ou capcioso) – vamos chamar as coisas pelos nomes, se não se importam – que o que Pedro Magalhães imputa a Pacheco Pereira (em aparte, duvido que PP tenha caído na armadilha de sentido que PM lhe atribui).
Para explicar simplificadamente porquê, peço que me acompanhem em um exercício que replica o esquema básico de refutação do ponto de vista de PP utilizado por PM, modificando apenas o convénio de partida.
Imaginemos por momentos que não pretendíamos determinar o sentido da mensagem que PM divisa por relação aos votos expressos (já que, para o desfecho do Referendo, foi excluída a parte dos votos escrutinados constituída por votos nulos e brancos) mas sim ao total de eleitores inscritos.
Antes de mais, o apuramento de resultados.
Sim ……………...... 30,64%
Não ……………...... 36,96%
Nulos/brancos …. 1,74%
Abstenções ……... 30,66%
Perante este apuramento, poder-se-á dizer: uma ampla maioria de franceses (não muito longe do patamar dos 2/3) não se pronunciou contra o Tratado Constitucional Europeu. E logicamente (a lógica de PM) concluir: a mensagem que a não oposição dominante dos franceses à Nova Constituição Europeia fornece aos políticos europeus é a de que podem avançar, ignorando o resultado do Referendo.
Claro que esta asserção é disparatada, mas não a é menos a interpretação que Pedro Magalhães faz do Não vencedor. Interpretação só possível à custa de uma dupla (quase imperceptível) distorção, bem ao estilo do entendimento político:
a) o resultado com efeitos políticos institucionais é a única coisa que conta (retém o escrutínio analítico) – no caso o Não soberano e coercivo;
b) a única coisa que conta, por seu turno, por artes mágicas, é transmudada num artefacto (habitualmente a opinião pública, aqui reconfigurada na mensagem do Não) que condensa uma vontade, motivações, aspirações homogéneas de uma população inteira – na circunstância, os franceses.
Não haveria problema nenhum com este notório abuso analítico acaso o Pedro Magalhães não fosse uma autoridade na matéria, como frequentemente se ouve dizer aos políticos: uma opinião respeitada ou abalizada. É-o. Por isso mesmo, não podia deixar passar em claro este trabalho de interpretação/projecção que, ainda que crismado em uma opinião (é o título do post de PM onde consta o excerto acima transcrito), constitui uma manipulação (porventura inconsciente) travestida de rigor científico (e sobretudo dotada de aparato metodológico) dos dados do Referendo.
Este é um assunto extremamente complexo, que me levanta inúmeras questões, tanto de matriz analítica como de posicionamento pessoal. Lastimo não ter no presente tempo para de forma séria as pensar, escrever e verter para o bombyx mori.
Termino com uma informação, para obstar a leituras enviesadas deste texto. Mantendo
alguma indecisão, nesta altura pendo muito mais para não dar a minha bênção ao Tratado que está em apreciação.

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