No império da opinião medida

A divulgação pelo Filipe Moura da réplica francesa do Political Compass deixou-me curioso. Para ver o que dava, submeti-me ao Politest. Respondi ao questionário, confesso que com considerável desconforto em várias questões. Achei-as capciosas, propriedade extensível às baterias de soluções apresentadas. Acresce a esquiva sensação de revestir, por defeito, o couro do francês de fina estirpe, gaulês sem vício (pelo menos de duas gerações): níveo, talvez louro e com muito génio, que é como quem diz: mau feitio e malcriado. E vai segundo artificialismo e segunda distorção. Não me devia ter surpreendido. Como ensina o outro em L’opinion publique n’existe pas, entre muito mais a competência política não é universal nem se encontra equitativamente distribuída. Seja como for, eis o resultado (exactamente como me apareceu):

Vous vous situez à gauche.
Le parti dont vous êtes le plus proche: le Parti Socialiste.
Lors d'un référendum interne, les militants du Parti Socialiste se sont prononcés à 59% POUR la Constitution européenne. (L'aile droite du parti était en général POUR, l'aile gauche du parti, ainsi que Laurent Fabius et ses partisans, étaient CONTRE, le reste du parti était divisé).

Le(s) parti(s) qui vien(nen)t ensuite:
2. le Mouvement Républicain et Citoyen (MRC) de Jean-Pierre Chevènement mais vous ne partagez pas toujours les mêmes opinions sur les questions économiques ou sociales, ni sur l'importance de la responsabilité personnelle des gens.
Le MRC est CONTRE la Constitution européenne.

3. le Parti Radical de Gauche (PRG) mais vous êtes plus conservateur sur les questions liées à l'évolution des moeurs.
Le PRG est plutôt POUR la Constitution européenne.

Não sei se me dê por satisfeito com o posicionamento. Por quatro motivos.
Primeiro. Não conheço decentemente a vida política interna francesa, nem as linhas com que se cosem as questões fracturantes (noção inaudita, mas que vai fazendo ala lógica) da sociedade francesa (o que se extrai do próprio questionário é escasso).
Segundo. Fico sem perceber muito bem como fui ali parar. Convenhamos que o latim, perdão: francês consumido com elucidação não adianta nem atrasa.
Terceiro. Nalgumas respostas deixei-me emalar (ou cismar, como se queira) por um princípio de pragmatismo (ou bom senso) e optei pelas hipóteses mais ajuizadas e exequíveis, em vez de cortar a direito da veleidade – não resisto a acrescentar: espernéfica. Já estou a ver a boca puída: pois, pois, não passas de um burguesito tíbio, meu. Quem pensar isso, vá-se daqui com esta (que são duas): e tu, meu obstinado nefelibata, um apposé agitateur de lettres.
Quarto. Como sugiro no início, este tipo de instrumentos de medida do posicionamento político construídos pela Ciência Política eclipsam muito mais do que revelam; e constituem um dispositivo de violência simbólica. Com efeito, por seu intermédio produzem-se e impõem-se mundividências políticas (entre as quais se destaca a de que as pessoas realmente se situam no continua definido pela escala de posicionamento extrema esquerda extrema direita), as quais apenas fazem sentido e mobilizam o conjunto restrito de agentes interessados no jogo político.

Bom, já passou. E aparentemente está tudo bem. Pelo menos não surgiu nada no final do género: vielen dank für die mitarbeit. Die daten zur befragung wurden registriert.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A história e a moral

Errata

Professor universitário