Conversa de Zé Bastos
Lutz. Mas nem em português nem em alemão temos palavrão que remotamente se acerque do motherfucker. A bem dizer, nem no inglês BBC.
Na verdade, Lutz, aquilo para que quero chamar a tua atenção é que não podemos supor o significado universal das palavras dentro dos seus idiomas – precisamente o presuntivo que permite desenvolver o exercício comparativo a que te entregas – sem realizar a operação artificial de privilegiar as definições legítimas, oficializadas, dessas palavras em detrimento do seu sentido de uso corrente nas trocas linguísticas que ocorrem todos os dias. Dou um exemplo, situando-me na esfera reconhecida dos palavrões, se quiseres: das obscenidades.
Não podemos restituir o sentido do vocábulo cabrão sem observar, melhor dizendo: determinar o quadro em que é empregue. Tanto pode significar insulto, injúria, vitupério (o adepto que berra: o árbitro é um cabrão), como manifestar afecto, ternura, implicação (em reencontro de amigos: é pá, há tanto tempo que não te via meu grande cabrão), ou até adensar-se em ambiguidade, no caso de ser dobrado de marcador irónico (em avaliação de competência: a arte daquele cabrão é deliciosa).
Por outras palavras, a heterogeneidade semântica é intrínseca à língua. E para que a compreensão não fique incompleta, é necessário perceber que essa heterogeneidade semântica por seu turno alinha com outra: falo de uma diversidade socialmente radicada. Há pois uma dupla regressão que te falta. Pomposamente: uma economia política das trocas linguísticas.
Na verdade, Lutz, aquilo para que quero chamar a tua atenção é que não podemos supor o significado universal das palavras dentro dos seus idiomas – precisamente o presuntivo que permite desenvolver o exercício comparativo a que te entregas – sem realizar a operação artificial de privilegiar as definições legítimas, oficializadas, dessas palavras em detrimento do seu sentido de uso corrente nas trocas linguísticas que ocorrem todos os dias. Dou um exemplo, situando-me na esfera reconhecida dos palavrões, se quiseres: das obscenidades.
Não podemos restituir o sentido do vocábulo cabrão sem observar, melhor dizendo: determinar o quadro em que é empregue. Tanto pode significar insulto, injúria, vitupério (o adepto que berra: o árbitro é um cabrão), como manifestar afecto, ternura, implicação (em reencontro de amigos: é pá, há tanto tempo que não te via meu grande cabrão), ou até adensar-se em ambiguidade, no caso de ser dobrado de marcador irónico (em avaliação de competência: a arte daquele cabrão é deliciosa).
Por outras palavras, a heterogeneidade semântica é intrínseca à língua. E para que a compreensão não fique incompleta, é necessário perceber que essa heterogeneidade semântica por seu turno alinha com outra: falo de uma diversidade socialmente radicada. Há pois uma dupla regressão que te falta. Pomposamente: uma economia política das trocas linguísticas.
Comentários
É verdade que a “boa fé”, como a “má fé”, faz toda a diferença. Tens razão e mais razão ainda em lembrá-lo a propósito de alguns supostos “diálogos” que ocorrem na blogosfera. Todavia, a “boa fé” tem limites. Por vezes, a comunicação falha, a atenção torna-se oblíqua, a retradução cava um fosso irredutível pura e simplesmente porque os esquemas cognitivos, intelectivos em presença são por assim dizer “incompatíveis”. Produzem com e sobre as mesmas palavras significados radicalmente (ou pelo menos acentuadamente) diferentes. Nessas circunstâncias nem a “boa fé” pode superar a barreira da “não concorrência de sentido.”
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