Do Bem e do Mal

Karol Woytila está às portas da morte, e não me surpreenderia que, enquanto escrevo estas palavras, a fatalidade ocorresse. Foi um longo pontificado de quase 30 anos. I say: may his soul rest in peace.
Karol Woytila representou um enorme retrocesso na Igreja Católica. O ecumenismo evangélico presente na doutrina, discurso, prática oficiais é mera fachada para soberba e pesporrência inconsequente de converso ignaro. Karol Woytila e os seus acólitos do fundo da alma empenharam-se em erradicar da Igreja Católica Apostólica Romana o que restava da esperança aberta pelo Concílio Vaticano II, nos remotos idos do começo dos anos sessenta do século passado. Uma das imagens sacramentais que conservo do consulado do Papa polaco é a sua vigorosa admoestação, que obviamente fez questão que fosse pública, que ficasse registada e documentada, de Leonardo Boff, a principal figura da Teologia da Libertação. Após esse episódio, nunca mais aquele padre pôde continuar o seu trabalho verdadeiramente cristão de não ignorar os assuntos da Cidade, e com ele muitos outros, no Brasil e noutras paragens, viram-se exilados em exercício da fé tão-só prenunciativo. Isto enquanto, a contraponto demasiado flagrante para poder ser imperfeição relevada, na Santa Sé, prosseguia business cardinalício as usual, bancos ambrosianos, bênçãos aos mais hediondos ditadores e tanto, tanto mais.
Ao contrário das representações vulgares, não tenho do Mal uma figuração horrífica, embora seja sensível ao decálogo. O Mal, aparece-me revestido de formas luminosas, na profissão da bondade e benignidade, atrever-me-ei a dizer: nas santidade e beatitude que ocultam/camuflam uma imensurável descompaixão, uma absoluta perversidade.
Não, não diabolizo Karol Woytila. É polaco. A tragédia da Polónia, prensada entre dois gigantes com pretensões hegemónicas, imperiais, com fronteiras que, historicamente, comprimiram ora a ocidente ora a oriente, conferiu ao catolicismo, a um catolicismo radical, inflexível e implacável, um lugar central na identidade polaca. Radicando nessa sobreposição, só por ingenuidade se poderia esperar que Karl Woytila, no desempenho papal, fosse capaz de romper com a dogmática católica mais retrógrada.
Não, este Papa não me granjeará preito, loas, não merece Requiem. Na agonia, tem a minha compaixão¹. Que, chegando-se-lhe a morte, tenha paz. Não é nem mais nem menos que o que desejo para qualquer das minhas coetâneas pessoas humanas vivas.

¹Através do link, um pequeno fragmento da Sinfonia nº 3 – the symphony of sorrowful, do compositor polaco Henrik M. Gorecki.

Comentários

Anónimo disse…
OK. Graças a Deus, ou ainda bem, que alguem se encarrega de deslindar o Mal por entre os verdes prados. Mas dois beatinhos já cá cantam...

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